Quando eu entrei neste projeto, ele se chamava Demarcação do Centro Geográfico do Brasil. Hoje, o documentário que estreia esta semana no Tudo é Verdade, se chama CORAÇÃO DO BRASIL. Seu diretor, Daniel Santiago, entusiasmadíssimo, não teve problemas em me seduzir para o projeto. Não que eu tenha experiência com a produção cinematográfica, à exceção das intermináveis horas em estúdios, nos meus tempos de publicitária. Mas porque é impossível não se envolver, quando Daniel está “tomado” por uma visão.
Esta é a sinopse: o documentário refaz em 2008, a expedição ao Centro Geográfico do Brasil, comandada pelos Irmãos Villas Bôas, em 1958. Sérgio Vahia, Adrian Cowell e o Cacique Raoni, que juntos se aventuraram por aquele mundão, retornam ao Centro para reencontrar os sobreviventes da expansão da fronteira agropastoril brasileira nos últimos 50 anos.

Coração do Brasil: Sergio Vahia, Adrian Cowel e Caique Raoni
“Coração” é fruto de um desejo ardente de Sergio Vahia, um expedicionário que, em 1958, com 30 anos de idade, fez parte da expedição comandada pelos Irmãos Villas Boas, para demarcar o Centro Geográfico do Brasil. (Pra contextualizar, 2 anos depois, era fundada Brasília, no centro do país, em 1960).
Conheci o carioca aqui em São Paulo, num churrasco dos bons, em 2008, com 80 anos. Sua ambição pela aventura, sua energia insana era altamente contagiosa. E não poupou ninguém ao seu redor. Aos 80 anos, Sergio foi tomado desta determinação de refazer o mesmo trajeto de remarcar o verdadeiro local em que se encontra o Centro Geográfico do Brasil, 50 anos depois! Agora, contando com uma tecnologia inexistente em 1958.
Enquanto eu selecionava umas carninhas mais magrinhas, Sergio atacou linguiças regadas a cervejinha. Incrível! É o Cyborg? Eu, ali, olhando e ouvindo aquela história-do-brasil-ao-vivo, convulsivamente contando histórias e citando passagens de sua vida com os grandes personagens brasileiros, da década em que eu nasci. Ao lado, uma moderna muleta. Eu revirava minha cachola. Como esse homem – se tudo desse muito certo – navegaria pelo Rio Xingu, visitaria as aldeias em que esteve em 1958, se reencontraria com os povos Kokoti, Kumaré-Txicão, Kamani Suiá, Moiópi-Kaiabi e Vanité-Kalapalo. E, finalmente, chegaria à aldeia Piaraçu, território dos Caiapós-Txucarramae, onde se reencontraria com o Cacique Raoni, seu parceiro da primeira expedição, 3 décadas atrás? Cansou? De lá partiriam juntos, mata adentro, rumo às terras indígenas Capoto-Jarina, no nordeste do Mato Grosso, no sul da Amazônia Brasileira. É lá, o Centro Geográfico Brasileiro.
Já vi o documentário, sei de muitas histórias dos bastidores e até hoje sou incrédula. Mas as imagens estão lá para provarem a verdade. Você também já pode vê-las esta semana.

Sergio Vahia, Raoni e Adrian Cowel, com o novo marco, em 2008.
O outro personagem desta jornada é uma celebridade para nós e para o mundo, o Cacique Raoni, líder dos caiapós, conhecido por sua campanha em defesa do povo indígena e da floresta Amazônica. Na expedição de 50 anos atrás foi intérprete para outras línguas indígenas. Em 1989, viajou pela Europa com o cantor inglês Sting alertando contra a invasão das terras indígenas amazônicas.
O terceiro mosqueteiro é Adrian Cowel, um nome que vamos ouvir muito este ano, quando terá sua obra homenageada. Um inglês que nasceu na Índia, em 1934, e morreu no final do ano passado, um dia antes de embarcar para o Brasil. Nos seus 78 anos de vida, Adrian esteve no Brasil muitas vezes, e construiu uma incrível (e ainda pouco conhecida entre nós) trajetória como cineasta. Documentou desde a criação das primeiras reservas extrativistas e os primeiros contatos com os índios Uru Eu Wau-Wau como a chocante morte de Chico Mendes. Como ativista, foi um dos fundadores do Television Trust for the Environment e escreveu 2 livros sobre índios brasileiros: “The Heart of the Forest” e ‘The Tribe that Hides from Man”. Foi o fotógrafo da expedição de 1958 e sua maior motivação para participar da expedição 50 anos depois, era reencontrar a população indígena que conheceu à época. Por ser exímio atirador, também ficou encarregado da caça.

Adrian Cowel, de pé com o marco, em 1958.
Impossível descrever o momento em que Daniel Santiago registra o reencontro de Raoni com o inglês Adrian. Como se nota, sou altamente suspeita. Convenci meu amigo Ronaldo Ramos, a ajudar a expedição e meu amigo e artista plástico Caíto a recriar o marco, agora em alumínio, a partir de uma desgastada foto tirada em 1958. Conheci e me envolvi com inimagináveis histórias de Adrian Cowel, através de suas sobrinhas Charlotte e Anna Cowel. E a cada dia que passa, eu acredito mais que o que move realmente o mundo são as nossas ambições, os nossos desejos, a nossa visão de um futuro, um futuro que a gente imagina pra gente.
Viva Sergio Vahia que imaginou um futuro para ele!
E quando a gente fica “tomado” por uma visão, vai contagiando almas contagiáveis como a de Daniel, que contagiou a minha, que contagiou Ronaldo e Caíto. E mais um montão de gente que fez uma ambição acontecer. Em tempo: a nova expedição confirmou, por modernos GPS, as coordenadas das cartas náuticas de 1958.
Bóra mudar o futuro antes que ele chegue? Valeu, Daniel!